Tipografia racial e os alfabetos dominantes
- Luan Freitas
- 21 de jul. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 12 de out. de 2021
Na sociedade atual, o que é perverso é muito facilmente propagado. Há alguns anos atrás fazer publicidade com sátiras e piadas sobre negro, português e pessoas acima do peso, por exemplo, era sinônimo de atenção garantida. Muitas vezes se passava por algo banal, afinal, é só uma brincadeira. Porém, é uma brincadeira muito sem graça, que já está mais do que clara suas causas e efeitos. Não atoa somos o país em que mais morrem negros e mulheres.
A ideia que gostaria de tratar nesse texto, é um pouco dessa tema pela atuação do design, em específico, a tipografia/fonte.
"ah! mas é só uma fonte"
Nada é tão simples quanto parece.
Um tema bem específico com um recorte bem específico. Algo que parece ser tão banal, quanto contar piadas e fazer sátiras sobre raça, etnias e tipos de corpos.
Rapidamente, podemos entender tipografia como a escrita por letras pré-fabricadas, construídas para um alfabeto estabelecido. Essas podem ser feitas digitalmente ou fundidas a mão (como eram comumente feitas anos atrás).
A história sempre mostrou o branco querendo ser o dominante. Não foi diferente na construção linguística e alfabética do mundo. Esse questionamento me fez refletir sobre a recorrente construção racista do mundo refletida também no design e na tipografia. Parte dela devido as evoluções da comunicação por rede e parte pelas históricas colonizações europeias.
O alfabeto latino, por exemplo, é o mais utilizado no mundo hoje, é uma adaptação do alfabeto grego de 800 a.C. Como anos de evolução linguística fez dele o alfabeto mais utilizado se a população europeia nunca chegou perto de ser o continente mais populoso?
Um quarto das línguas do mundo é falado apenas no continente africano, cerca de 1.250 à 2.100 línguas. Antes das colonizações, havia uma abundância de diferente grafias (representação escrita da palavra de um alfabeto) no continente: Tifinagh, N'Ko, Nsibidi, Vah, entre outros. Porém, as diversas colonizações influenciaram muito os alfabetos africanos, fazendo com que alguns deles fossem extintos. Por um lado, existe uma necessidade da evolução do alfabeto por vários motivos linguísticos, a internet hoje colabora muito nessas mudanças, novos verbos e adjetivos são criadas a todo momento. Mas subjacente a isso, existia uma prepotência dos governos colonizadores, que na época forçavam inserir sistemas de escritas ocidentais para poder controlar as comunicações e influenciar as produções locais. Logo, o regime fazia da grafia local uma expressão marginalizada. A Etiópia é um dos poucos países que mantêm sua cultura da escrita por ser um dos poucos países africanos independentes (algumas outras sobrevivem até hoje em pequenas comunidades).
O que me faz lembrar das ditas pichações já nos tempos atuais, que desde quando começaram a se popularizar como protesto em manifestações, são escritas consideras marginais. O que por um lado, não vejo como "ofensa", já que existe uma intensão de alcançar espaços sub-utilizados e também dar voz aos silenciados, o que a partir disso, faz gerar uma identidade gráfica local, mantendo assim identidade da cidade.
Ao longo do tempo, outras regiões e países passaram por essas mesmas divergências sociais e culturais, até mesmo dentro da própria cultura, como no caso da escrita chinesa, dividade entre a escrita tradicional e a simplificada. O chinês é a língua mais falada no mundo, utiliza uma grafia logográfica, em que cada símbolo significa um som, e não uma palavra. O chinês tradicional foi institucionalizado na dinastia Qin, no século III a.C. Esses caracteres bastante elaborados só podia ser lidos e escritos pela elite. Tempos depois foram simplificados por motivos práticos do uso no cotidiano, mas após a Revolução Cultural de Mao, o regime comunista queria padronizar a língua para introduzir o chinês simplificado ao longo de todo o país, o que facilitaria a melhora no índice de alfabetização e melhoraria a economia.
O ponto, é que a escrita além de comunicar, é uma forma também de referenciar uma cultura. É pelo resgate da escrita que é possível identificar também as origens de povos, suas histórias migratórias e sua evolução. E por esse caminho, quantas vezes já não vimos a histórias de etnias e raças serem apagadas no tempo por apropriação ou desgaste. Sendo forçadas a sucumbir ao esquecimento.
O que os cientistas sociais chamam hoje de "racismo estrutural" é exatamente esse cenário onde na época colonial uma fonte em caixa-baixa era usado para referenciar nomes de pobres, negros e pessoas de baixa titularidade social, e caixa-alta para referenciar brancos e a sociedade de alto escalão. Títulos como Rei, Lorde, Presidente, Papa, Imperador recebiam caixa-alta, enquanto palavras como o camponês, escravo, servo, não.
A tipografia sempre foi a representação da voz de uma ideia. Não atoa uma delas, a Fraktur, uma escrita gótica, é lembrada pelos compatriotas alemães como a fonte oficial do Terceiro Reich, a tipografia do Nazismo.
Uma fonte não é só uma fonte.
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Até uma próxima.
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Referência
Políticas do Design - Ruben Pater



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